Mar Português

"Valeu a pena? Tudo vale a pena se a alma não é pequena. "

- Fernando Pessoa

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Episódio 2: Tudo tem sua primeira vez


PARTE 4

      Assim que sentamos em frente à lagoa, iniciamos uma longa conversa:
       - Sabe, eu tenho tantas perguntas para fazer que nem sei por onde começar...
    - Posso começar meu apresentando, acho que vai ajudar. Me chamo Roberto, tenho 27 anos e era dentista até pouco tempo atrás.
     - Era? E por que não é mais? Como conseguiu estes olhos coloridos? Você não está passando mal por isso, está?
     - Calma... Uma pergunta de cada vez, por favor. - respondeu rindo e, consequentemente, senti meu rosto queimar de vergonha. - Desde que me conheço por gente, sempre fui uma pessoa serena e sossegada, a ponto de receber uma bronca, e mesmo não merecendo, ficar quieto. Confesso que muitas vezes quis reclamar por isso, mas não conseguia devido ao medo de como as pessoas me olhariam depois. Fui esse tipo de homem até duas semanas atrás, quando em uma das minhas consultas, interessei-me por uma paciente casada. Meu lado profissional sabia que era melhor me afastar dela e mandá-la para outro dentista, mas o meu lado emocional falou mais forte. - percebi que, enquanto ele falava, seus olhos estavam distantes. - Depois de tanta insistência, consegui marcar um encontro às escondidas. A bela mulher foi até minha casa para jantarmos e tomarmos vinho em frente à lareira. Conversamos sobre tudo, porém assim que mencionei a palavra "traição", percebi que a moça se sentiu desconfortável. Quando toquei em sua mão, ela disse que não podia fazer o que eu queria e foi embora. Após isso, senti um enorme vazio dentro de mim e um sentimento de raiva incontrolável. Assim como aqueles animais que se rebelam contra seus donos, no mesmo instante começei a destruir tudo o que via pela frente. Depois do estrago que causei, fui ao banheiro para lavar meu rosto e vi a mudança repentina dos meus olhos. Você pode até achar estranho, mas nunca me senti tão bem em toda minha vida. Foi como se tivesse tirado um peso das minhas costas.
     Eu estava totalmente submersa naquela atmosfera, precisei de segundos para voltar à realidade e falar algo:
     - Estou impressionada com sua história. Inclusive me identifiquei com ela. Às vezes sinto que esta vida não é a que eu deveria seguir. Não precisa ser melhor ou pior, apenas diferente. O modo como as pessoas desse bairro agem é estranho: julgando os outros pelos seus atos, seguindo sempre uma regra que ninguém sabe quem a inventou. Sinto-me estranha aqui, mas ao mesmo tempo, é como se soubesse que algo me espera. E me conta uma coisa, agora que não atende mais seus pacientes, o que você faz para se manter?
     - Estou morando com meus tios a uns três quarteirões daqui. Se você quiser, podemos terminar nossa conversa lá porque está começando a escurecer.
     - Nossa Senhora, esqueci do horário!
     Levanto do chão nas pressas, lembrando que preciso chegar em casa rapidamente. Agradeço o Roberto pela ótima tarde que estive com ele e peço para ir à lanchonete amanhã para terminarmos a conversa. Dou um beijo no rosto dele e sigo meu rumo.
     A caminho de casa, repasso toda nossa conversa mentalmente. Na parte em que a paciente surge, fiquei com um pouco de ciúmes, mas é melhor deixar isso de lado e começar a pensar no que falarei para minha mãe assim que entrar em casa...

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Episódio 2: Tudo tem sua primeira vez


PARTE 3

     Enquanto eu dava cinco reais de troco à uma cliente, não pude deixar de reparar no homem que estava sentado na mesa 8 e na euforia que ele causava na lanchonete. O moço, provavelmente com 25 anos, aparentava ser alguém comum, mas pela reação dos outros clientes, tinha algo nele que os incomodava. Então, decidi olhar mais de perto.
        - Posso ajudá-lo?
     - As pessoas que frequentam aqui tem o costume de encarar os outros ou acordei azarado hoje? - respondeu ironicamente.
     Por alguns instantes, fiquei paralisada e perdida no tempo e no espaço. Ele tinha os olhos mais lindos que já vi em toda minha vida: eram expressivos a ponto de falarem mais que as próprias palavras e o mais impressionante era que fugiam da regra principal, seus olhos eram coloridos.
     Quando voltei para a realidade, ele ainda me fitava, esperando que eu respondesse a sua pergunta. Foi quando eu olhei ao meu redor e percebi que, quanto mais o tempo passava, mais as pessoas se exautavam por causa do incômodo, afinal, nunca tínhamos visto outra cor senão o cinza. Decidi tirá-lo daquele lugar imediatamente, antes que acontecesse o pior. A princípio, ele se recusou a sair, mas após sentir como o clima estava na lanchonete, achou melhor me acompanhar.
     Senti que o meu raciocínio estava cada vez mais lento, por causa das várias perguntas que eu tinha para fazer. A caminho da única lagoa da cidade, eu organizava meus pensamentos e decidia qual das perguntas seria a primeira...

quarta-feira, 3 de março de 2010

Episódio 2: Tudo tem sua primeira vez


PARTE 2

     Como prometido ao meu chefe, não chegarei atrasada ao trabalho. E ao sair de casa, assim que viro a esquina, um homem me pergunta:
     - Moça, que horas são?
     - Faltam dez minutos para o meio-dia.
     Não satisfeito com isso, esse mesmo homem me faz uma outra pergunta, cuja a única resposta que ele obteve foi um longo silêncio:
     - E horas, o que são?
     Assim que chego ao trabalho, volto a pensar naquela pergunta. Afinal, todos sabem o que é o tempo, mas poucos são aqueles que se aventuram a explicar. Talvez seja a única maneira que a natureza encontrou para que tudo não ocorresse de uma única vez, ou quem sabe, uma simples ilusão. E se o Santo Agostinho estiver certo ao mencionar que o tempo é uma caminhada rumo à não-existência?
     Minha cabeça fica tomada por milhares de perguntas, mas é melhor deixar este assunto de lado e voltar a me concentrar nos afazeres...

domingo, 28 de fevereiro de 2010

Episódio 2: Tudo tem sua primeira vez


PARTE 1

São Paulo, 21 de Dezembro.

     São sete horas da manhã e não aguento mais dormir. Levanto-me da cama, vou ao banheiro e depois procuro algo para comer. Ao escovar os dentes, em frente ao espelho, reparo como a íris do meu olho está mais cinza que o normal. Não que isso fosse tão diferente do que estou acostumada a ver, mas algo dentro de mim diz que o dia não será o mesmo. Melhor me arrumar logo para o trabalho...

sábado, 27 de fevereiro de 2010

Episódio 1: É tudo tão igual, mas nada normal...

PARTE 4


     "Mãe... cheguei"!
     Subo lentamente as escadas, devido ao cansaço do dia. Jogo minhas meias sujas no cesto, tomo um banho quente para relaxar o corpo, janto meu prato favorito, converso ao telefone com minha amiga e vou dormir. Afinal, mais um dia me espera amanhã ou será que eu o espero?
     Engraçado... Enquanto repasso o que fiz na cabeça, sinto minhas pálpebras fecharem cada vez mais. Tento lutar contra essa força, mas rendo-me no segundo round....

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Episódio 1: É tudo tão igual, mas nada normal...

PARTE 3

     Quando chego ao trabalho, meu patrão me recebe com um sorriso e, logo em seguida, pergunta-me pelo atraso. Desconfiada, respondo que dormi além do necessário, mas que isto não ia se repetir. À propósito, meu nome é Diana e trabalho como garçonete no único bar do bairro, que se chama Estrela de Prata. A população aqui não é muito grande, pois todos se conhecem. Além disso, tudo o que enxergamos está constituído nas cores preto e branco. Sabe, meu bairro é perfeito pois nada muda. Desde que me conheço como gente, todos fazem a mesma coisa. Até parece que nossas vidas serão uma eterna rotina... Lembro-me da professora do 2° grau ensinando a geografia apenas do nosso bairro. Por isso, se me perguntar de outros lugares, simplesmente não saberei responder. Mas também não me interessa, estou muito feliz onde moro. E por falar nisso, juntarei minhas coisas, já está na hora de ir para casa..

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Episódio 1: É tudo tão igual, mas nada normal...


PARTE 2

     Nossa, perdi o horário para ir trabalhar, melhor eu correr. Procuro no meu guarda-roupa o uniforme, mas no meio dessa bagunça fica difícil de achá-lo. Olho para o relógio e suplico que ele pare e fique ao meu favor, mas isto é impossível. Tenho menos de dez minutos para chegar ao meu destino. 
     No caminho ao trabalho, vejo como as flores estão lindas hoje: uma sincronia das cores preta e branca. Sem contar com o céu cinza claro sem nenhuma nuvem. Mais um dia ensolarado me aguarda.